quarta-feira, maio 31, 2006

república cristã do brasil (que pena...)

tomo a liberdade de reproduzir estes textos do meu amigo Amaral!

olha só:


REPÚBLICA CRISTÃ DO BRASIL

MARCELO AMARAL*

O Estado laico está ameaçado no Brasil. Pessoas que defendem interesses de instituições cristãs – evangélicas neopentecostais e católicas – se imiscuem no Estado brasileiro. Não que o Brasil será uma versão cristã do Irã. A cristianização do Estado Brasileiro se dará de forma insidiosa. Por meio dos representantes das igrejas. Eles trabalham para preservar ou transformar dogmas religiosos em leis e regulações. Óbvio. Uma sociedade mais secularizada diminui o poder das igrejas. E a perda de poder compromete os caixas das entidades religiosas.
As igrejas têm um projeto de ocupação do Estado. Este projeto está alicerçado na mídia religiosa. Igrejas e grupos religiosos estão construindo conglomerados de comunicação, sobretudo por intermédio de emissoras de televisão e rádio. Diversos parlamentares – dos três níveis, municipal, estadual e federal – são ligados a entidades religiosas. A poderosa Igreja Universal do Reino de Deus formou um partido, o PMR – Partido Municipalista Renovador -, que agora mudou para PRB – Partido Republicano Brasileiro. O PRB abrigará ainda gente de outras igrejas evangélicas, não somente da Universal.
E os religiosos também querem, evidentemente, o Executivo. No Rio de Janeiro, a governadora Rosinha Garotinho é fortemente ligada aos evangélicos. Os religiosos podem ganhar outros governos nas próximas eleições. Dois candidatos à Presidência da República estão vinculados a organizações religiosas. Anthony Garotinho – se bem que eu não sei se ele conseguirá ser candidato – pertence à Igreja Presbiteriana Luz do Mundo. Geraldo Alckmin é Opus Dei, uma facção católica ultraconservadora moral. E, ao chegar ao Executivo, os religiosos terão chance de ocupar o Judiciário. Eles poderão nomear ministros e desembargadores que tomem decisões favoráveis às igrejas e seus dogmas. Importante: Lula e o PT sempre foram muito próximos aos católicos esquerdistas.
As conseqüências do assalto religioso ao Estado brasileiro serão funestas. A ampliação das liberdades civis não ocorrerá. Casamento de homossexuais, esquece. Fora a perseguição da qual os veados e as lésbicas serão alvo. O Estado vai instalar clínicas para curar gays e sapatas. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, há um projeto do deputado José Bittencourt, do PDT, pastor da Assembléia de Deus, que prevê a construção das tais clínicas de recuperação de homossexuais. Aborto, esquece. As mulheres não poderão decidir sobre o que fazer com seus corpos. Eutanásia, também esquece. Eu não terei direito de escolher morrer. Claro, só Deus pode decidir sobre a minha vida na República Cristã do Brasil. Pesquisas científicas que toquem em dogmas religiosos serão impedidas. No ano passado, o Congresso aprovou pesquisas com células-tronco embrionárias. Mas, com ascensão dos religiosos ao poder, esta aprovação poderá ser revogada. Desconfio até que tentem acabar com o divórcio no Brasil. Tratem de se separar enquanto é tempo.
A educação brasileira irá ainda mais para a merda. O ensino religioso será instituído nas escolas públicas de todo o país. As crianças deixarão de aprender a teoria da evolução das espécies de Darwin para aprender que a humanidade começou com Adão e Eva. Isto já acontece no Brasil. No Rio de Janeiro, o governo de Rosinha Garotinho incluiu o ensino religioso no currículo das escolas estaduais. E os alunos fluminenses têm, sim, aula sobre o criacionismo. Fico imaginando como devem ser as provas de ensino religioso. Fico pensando também nos alunos fazendo cola sobre, por exemplo, o pecado original.
Tramita na Assembléia Legislativa de São Paulo um projeto de lei semelhante. É de autoria da deputada Maria Lucia Amary, do PSDB, que se declara católica. A deputada tucana chama seu projeto de "Deus na Escola". Deus não deve ter lugar na escola pública. Escola pública é laica. Religião tem ser um tema abordado de forma transversal, em disciplinas como História, Geografia e Filosofia. Mas nada de proselitismo. De pregação. Não mexam com a minha grana. Não quero que aquilo que pago de impostos vá servir para doutrinar crianças. Não admito meu dinheiro sendo usado para ensinar sobre Adão e Eva. Quem quiser uma educação religiosa para seus filhos que os matriculem em escolas particulares ligadas grupos de religiosos. Se não tiverem dinheiro para isso, procurem o ensino religioso nas igrejas que freqüentam.
Política e religião já não são boas coisas. Pior ainda quando são misturadas.

Acham que eu exagero quando escrevo que o Estado laico está ameaçado no Brasil. Motivo pelo qual darei exemplos de como os religiosos – por intermédio de seus representantes políticos – podem minar o Estado secular. Assim como conseguem obter privilégios legais para as igrejas.
Fui informado que os templos religiosos estão imunes à Lei do Silêncio em São Paulo. Bares, restaurantes e outros estabelecimentos barulhentos são facilmente autuados e, até mesmo, fechados pelo PSIU – Programa de Silêncio Urbano. O PSIU realiza operações estilo Polícia Federal, com cerca de 150 pessoas, entre fiscais e gente da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana. No final de abril, em cinco dias, o PSIU lacrou 28 bares em diversas regiões da cidade.
Mas não há igrejas nas estatísticas do PSIU. Pastores podem berrar à vontade suas pregações. Músicas religiosas podem tocar tranqüilamente em volume elevadíssimo. Os fiéis podem gritar despreocupadamente em altíssimos decibéis. A Prefeitura não vai lá mexer com as igrejas. Azar de quem mora na vizinhança dos templos. Terá de esperar o final dos cultos. Alguém que se sente incomodado por uma festa da casa de um vizinho pode acionar a Polícia. Se for igreja, esquece. Não aparecerá nenhum policial. Nenhum guarda municipal. Nada. As igrejas podem tudo.
Tem mais: se você for reclamar diretamente na igreja do barulho, ou junto aos fiéis, corre risco de agressão. Tenho conhecidos e colegas que sofreram ameaças físicas de evangélicos quando se queixaram do som produzido nos estabelecimentos religiosos próximos às suas casas. Não duvido destas ameaças. Acredito que em breve veremos evangélico-bomba. Também acredito no surgimento de católico-bomba.
Isso acontece porque os Legislativos estão abarrotados de representantes de empresas religiosas. Empresas religiosas, sim. Igreja é negócio. E os parlamentares não que estão ligados a grupos religiosos são cagões. Claro, só se preocupam com as eleições. Aí aprovam os privilégios legais para as igrejas por medo de sofrerem boicote eleitoral de líderes religiosos e fiéis. Assisti a uma sessão da Câmara dos Vereadores de São Paulo, em meados de 2004, que votava um projeto de lei de isenção de impostos a favor das igrejas. Alguns vereadores questionavam o projeto. Um vereador evangélico, Carlos Apolinário, hoje no PDT, subiu à tribuna. Resolveu a questão. Ameaçou afixar, em todas as igrejas de São Paulo, uma lista com o nome dos parlamentares que votassem contra a lei. Chamou de "inimigos das igrejas". Apolinário lembrou que as eleições municipais estavam bem próximas. A lei foi aprovada com um número bem expressivo de votos a favor.
Os religiosos podem impedir que pessoas exerçam direitos. Na Espanha, quando da aprovação da lei que permitiu a união civil de veados e lésbicas, a Igreja Católica espanhola exortou os funcionários dos cartórios a se recusarem a expedir a certidão de casamento para casais homossexuais. Isto pode muito bem acontecer no Brasil. As igrejas têm capacidade para lançar movimentos de desobediência civil quando algo ferir os interesses das entidades religiosas. E aí se poderá fazer aquilo que seja do agrado dos líderes cristãos. Nada de liberdade. Nada de instituições democráticas. Só vai valer o que "Deus quer".
Religiosos: rezem. E deixem que o Estado garanta a cada um como e com quem viver.




*Marcelo Amaral, 29, escreve semanalmente
e-mail: marcelo@marceloamaral.com.br